sexta-feira, 20 de abril de 2012

Igual a Publicidade


Estamos falando de 1988. Havia chutado o balde na revista Imprensa, na qual era o publisher. Tínhamos acabado de pôr todas as contas em dia, e não mais descontávamos duplicatas para fazer dinheiro. A inflação naquela época chegava a 80% ao mês; o Dante Matteusi, que também era sócio, voltou da Record na primeira equipe da administração do Edir Macedo e descontou todas as promissórias, e foi jogar o dinheiro em Las Vegas. Era um péssimo jogador de pôquer. Para variar, o cassino ganhou. A Feeling Editorial, que na época editava a revista Imprensa, ficou sem dinheiro, sem o publisher e sem o diretor de Redação, o competentíssimo Gabriel Prioli, que chutou o mesmo balde no mesmo mês.

Sem emprego, tentei ser sócio em uma agência de publicidade, com o Jorge Medauar e o Mansano. Minha vocação, entretanto, era mesmo o comercial, mas era bem claro na minha cabeça que com 33 anos ainda viriam várias experiências que definiriam a vida profissional.
Para sobreviver fui à luta e desenvolvi alguns projetos. Ao invés de ir atrás de clientes, venderia publicidade em páginas “alheias”. 

Marquei uma reunião na editora Globo com aquele que até hoje é meu parceiro de café, Luiz Carlos Stein, então diretor de Publicidade das revistas femininas. Em 15 dias andei pela rua Padre Antonio José dos Santos, no Brooklin, e vendi uma página dupla para diversos clientes proprietários de lojas. Ganhei um dinheiro com o qual pensava em passar o Natal, janeiro e fevereiro, meses difíceis.

Quando entreguei o Pedido de Inserção (PI) ao Stein, ele me levou à sala do José Roberto Sgarbi, diretor comercial da editora. Ali se encontrava o Pedro Barbastefano, diretor de publicidade masculina. Os três diretores me arrumaram uma mesa e deram um dos melhores trabalhos que tive nos 33 anos de profissão. Não tinha salário, não tinha sala, não tinha cargo. Eram 10% de comissão sobre o que vendesse.

Passei seis meses sem faturar um real, mas aí comecei a ganhar. No primeiro cheque ganhei mais do que a soma do que recebiam Orlando Marques, superintendente, e Ricardo Fisher, presidente.

No dia em que recebi o cheque, o Orlando entrou na sala, ou melhor, abriu a porta, pois não cabia ninguém além de mim e da Ana Lúcia Tavares. Comentou sobre o que eu havia recebido. Retruquei, questionando-o por que não havia passado nos seis meses anteriores, quando eu não havia conseguido faturar um centavo sequer.

O Orlando levou na brincadeira, mas eu e a Ana achamos que seríamos demitidos. Ao contrário, fiquei amigo do Orlando, e anos depois fui por ele contratado na Bandeirantes.

Volto à história que aconteceu em uma ida minha e do gerente da revista Criativa, Jeferson Teane Fullen, para vender uma cota de um projeto meu para a Fleshieman Royal, na agência JWT - Rio.
Chegamos ao Rio e fomos diretamente para o prédio da editora, no Cosme Velho, pegar a gerente e a contato da Criativa. Almoçamos e fomos para a reunião.

Na JWT fomos recebidos pela diretora de Mídia, Maria Rosa Barcellar, que não conhecia, à época casada com Welington Barros, grande amigo da JWT - São Paulo, o que facilitou bastante as coisas na JWT - Rio.
Os quatro fomos encaminhados pela Maria Rosa à sala de reuniões, na qual estavam outras quatro mulheres: sete mulheres, eu e o Jeferson. O projeto era simples: apresentávamos equipamentos hipermodernos para cozinha, da Consul, Sharp e Arno, e uma receita com o fermento Royal.
A equipe de vendas da editora no Rio o considerava fechado, como constatamos durante a reunião.

A cota já estava vendida para o Fermento Royal, e passamos a discutir como colocaríamos o produto no projeto. Estavam na sala o atendimento, a criação, a produção, a mídia, diretora de mídia, contato e a gerente de publicidade. Elas liam a receita que, em determinado momento, pedia duas colheres de Claybom (no Rio eles não denominavam margarina, mas simplesmente Claybom).

Fiz uma única pergunta: a Fleisheman Royal havia comprado a Claybom? Houve um silêncio enorme na sala, e as duas pessoas, de atendimento e criação, saíram sem nada dizer. O Jeferson, sempre muito “discreto”, me disse em bom som que eu havia derrubado a venda. Nem eu entendi inteiramente por que as duas haviam deixado a sala. A diretora de Mídia também ficou sem saber o que falar. Todos estávamos quietos. Dez minutos depois a dupla entrou com o texto, substituindo Claybom por margarina, e não se falou mais sobre o assunto.

Pegamos o pedido de inserção e fomos para o aeroporto. Chovia quase canivete. O Santos Dumont estava lotado, nenhum avião levantaria voo. Tumulto na lanchonete. Eu e o Jeferson fomos tomar um drinque para comemorar a venda. Quando estávamos no terceiro drinque escutamos o nome de ambos no alto-falante. Saímos correndo para o avião. Mas não havia mais assentos marcados. Como fomos os últimos a chegar, o Jeferson, safo, viu um homem gordo (sua barriga ocupava a metade do meu assento) ainda maior que eu numa janela com o meio livre quase na porta do avião. Correu para o fundo e me sobrou aquela poltrona. O senhor gordinho encolheu a barriga e me sentei ao seu lado. Quando o avião estava para decolar, eu e meu companheiro de janela fomos pegar o jornal na bolsa da poltrona. Um olhou para o outro e ele sentenciou: “Vamos conversar...” 

 A situação da Ponte Aérea havia nos enchido de adrenalina. Rapidamente já estávamos conversando, primeiramente sobre chuva e avião. Amigos de voo nunca mais se falam, somente se houver a sorte de caírem novamente no mesmo avião ou na sala de espera. Mesmo assim é bem possível ambos fingirem que não se conhecem.

Em determinado momento, o companheiro de viagem me perguntou o que eu fazia da vida:
- Sou vendedor de publicidade. 
- É mesmo?! Vendedor de publicidade?! Sempre quis conhecer alguém da sua profissão.
 - Por quê?
 - Porque vende um produto igual ao meu.
- O que você vende?
- Vendo dinamite.
- Dinamite?! O que tem a ver com publicidade?
- Custa caro para caralho, você compra e não leva para casa, e se não der resultado tem que comprar de novo.

Ele era um dos dois gerentes de vendas das duas empresas que vendiam dinamite no país.
A viagem foi ótima.

Chegamos a São Paulo e nunca mais vi meu parceiro de viagem, apesar de termos trocado cartões.
O que me sobrou do encontro? Já contei muitas vezes essa história, e todos me perguntam onde a li. Poucos acreditam que foi em um avião da Varig, mas todos acreditam que a maior companhia aérea do país quebrou por falta de passageiros.