Estamos falando de 1988. Havia chutado o balde na revista
Imprensa, na qual era o publisher. Tínhamos acabado de pôr todas as contas em
dia, e não mais descontávamos duplicatas para fazer dinheiro. A inflação
naquela época chegava a 80% ao mês; o Dante Matteusi, que também era sócio,
voltou da Record na primeira equipe da administração do Edir Macedo e descontou
todas as promissórias, e foi jogar o dinheiro em Las Vegas. Era um péssimo
jogador de pôquer. Para variar, o cassino ganhou. A Feeling Editorial, que na
época editava a revista Imprensa, ficou sem dinheiro, sem o publisher e sem o
diretor de Redação, o competentíssimo Gabriel Prioli, que chutou o mesmo balde
no mesmo mês.
Sem emprego, tentei ser sócio em uma agência de publicidade,
com o Jorge Medauar e o Mansano. Minha vocação, entretanto, era mesmo o
comercial, mas era bem claro na minha cabeça que com 33 anos ainda viriam
várias experiências que definiriam a vida profissional.
Para sobreviver fui à luta e desenvolvi alguns projetos. Ao
invés de ir atrás de clientes, venderia publicidade em páginas “alheias”.
Marquei uma reunião na editora Globo com aquele que até hoje é meu
parceiro de café, Luiz Carlos Stein, então diretor de Publicidade das revistas
femininas. Em 15 dias andei pela rua Padre Antonio José dos Santos, no
Brooklin, e vendi uma página dupla para diversos clientes proprietários de
lojas. Ganhei um dinheiro com o qual pensava em passar o Natal, janeiro e
fevereiro, meses difíceis.
Quando entreguei o Pedido de Inserção (PI) ao Stein, ele me
levou à sala do José Roberto Sgarbi, diretor comercial da editora. Ali se
encontrava o Pedro Barbastefano, diretor de publicidade masculina. Os três
diretores me arrumaram uma mesa e deram um dos melhores trabalhos que tive nos
33 anos de profissão. Não tinha salário, não tinha sala, não tinha cargo. Eram
10% de comissão sobre o que vendesse.
Passei seis meses sem faturar um real, mas aí comecei a
ganhar. No primeiro cheque ganhei mais do que a soma do que recebiam Orlando
Marques, superintendente, e Ricardo Fisher, presidente.
No dia em que recebi o cheque, o Orlando entrou na sala, ou
melhor, abriu a porta, pois não cabia ninguém além de mim e da Ana Lúcia
Tavares. Comentou sobre o que eu havia recebido. Retruquei, questionando-o por
que não havia passado nos seis meses anteriores, quando eu não havia conseguido
faturar um centavo sequer.
O Orlando levou na brincadeira, mas eu e a Ana achamos que
seríamos demitidos. Ao contrário, fiquei amigo do Orlando, e anos depois fui
por ele contratado na Bandeirantes.
Volto à história que aconteceu em uma ida minha e do gerente
da revista Criativa, Jeferson Teane Fullen, para vender uma cota de um projeto
meu para a Fleshieman Royal, na agência JWT - Rio.
Chegamos ao Rio e fomos diretamente para o prédio da
editora, no Cosme Velho, pegar a gerente e a contato da Criativa. Almoçamos e
fomos para a reunião.
Na JWT fomos recebidos pela diretora de Mídia, Maria Rosa
Barcellar, que não conhecia, à época casada com Welington Barros, grande amigo
da JWT - São Paulo, o que facilitou bastante as coisas na JWT - Rio.
Os quatro fomos encaminhados pela Maria Rosa à sala de
reuniões, na qual estavam outras quatro mulheres: sete mulheres, eu e o
Jeferson. O projeto era simples: apresentávamos equipamentos hipermodernos para
cozinha, da Consul, Sharp e Arno, e uma receita com o fermento Royal.
A equipe de vendas da editora no Rio o considerava fechado,
como constatamos durante a reunião.
A cota já estava vendida para o Fermento Royal, e passamos a
discutir como colocaríamos o produto no projeto. Estavam na sala o atendimento,
a criação, a produção, a mídia, diretora de mídia, contato e a gerente de
publicidade. Elas liam a receita que, em determinado momento, pedia duas
colheres de Claybom (no Rio eles não denominavam margarina, mas simplesmente
Claybom).
Fiz uma única pergunta: a Fleisheman Royal havia comprado a
Claybom? Houve um silêncio enorme na sala, e as duas pessoas, de atendimento e
criação, saíram sem nada dizer. O Jeferson, sempre muito “discreto”, me disse
em bom som que eu havia derrubado a venda. Nem eu entendi inteiramente por que
as duas haviam deixado a sala. A diretora de Mídia também ficou sem saber o que
falar. Todos estávamos quietos. Dez minutos depois a dupla entrou com o texto,
substituindo Claybom por margarina, e não se falou mais sobre o assunto.
Pegamos o pedido de inserção e fomos para o aeroporto.
Chovia quase canivete. O Santos Dumont estava lotado, nenhum avião levantaria
voo. Tumulto na lanchonete. Eu e o Jeferson fomos tomar um drinque para
comemorar a venda. Quando estávamos no terceiro drinque escutamos o nome de
ambos no alto-falante. Saímos correndo para o avião. Mas não havia mais
assentos marcados. Como fomos os últimos a chegar, o Jeferson, safo, viu um
homem gordo (sua barriga ocupava a metade do meu assento) ainda maior que eu
numa janela com o meio livre quase na porta do avião. Correu para o fundo e me
sobrou aquela poltrona. O senhor gordinho encolheu a barriga e me sentei ao seu
lado. Quando o avião estava para decolar, eu e meu companheiro de janela fomos
pegar o jornal na bolsa da poltrona. Um olhou para o outro e ele sentenciou:
“Vamos conversar...”
A situação da Ponte
Aérea havia nos enchido de adrenalina. Rapidamente já
estávamos conversando, primeiramente sobre chuva e avião. Amigos de voo nunca
mais se falam, somente se houver a sorte de caírem novamente no mesmo avião ou
na sala de espera. Mesmo assim é bem possível ambos fingirem que não se
conhecem.
Em determinado momento, o companheiro de viagem me perguntou
o que eu fazia da vida:
- Sou vendedor de publicidade.
- É mesmo?! Vendedor de publicidade?! Sempre quis conhecer
alguém da sua profissão.
- Por quê?
- Porque vende um
produto igual ao meu.
- O que você vende?
- Vendo dinamite.
- Dinamite?! O que tem a ver com publicidade?
- Custa caro para caralho, você compra e não leva para casa,
e se não der resultado tem que comprar de novo.
Ele era um dos dois gerentes de vendas das duas empresas que
vendiam dinamite no país.
A viagem foi ótima.
Chegamos a São Paulo e nunca mais vi meu parceiro de viagem,
apesar de termos trocado cartões.
O
que me sobrou do encontro? Já contei muitas vezes essa história, e todos me
perguntam onde a li. Poucos acreditam que foi em um avião da Varig, mas todos
acreditam que a maior companhia aérea do país quebrou por falta de passageiros.