sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Zé do Caixão - Uma história de arrepiar


Era 1963, meus pais haviam se separado em definitivo depois de um volta não volta que é meio apagado de minha memória.
Morei um tempo com a minha avó paterna. Minha mãe era dona de casa e, apesar de ter trabalhado muito na sua infância e adolescência, havia se casado com um filho de industrial que trocou tudo o que tinha por amantes, até indústrias de meias foram premiadas e nesta época ele já havia morrido e a família pagava dívidas com fornecedores e impostos Sem trocadilhos pelo teor do conto, minha mãe comeu o pão que o diabo amassou para nos criar, até se ajeitar profissionalmente pós separação.
De uma vida com Oldsmobiles e mansões na parte abastada do bairro Vila Monumento na avenida Dom Pedro no Ipiranga SP sobraram duas casas geminadas no subdistrito do Moinho Velho na parte pobre do bairro, onde morávamos nestes tempos.
A rua era a Marquês de Maricá, ainda de terra batida, e suas calçadas eram repletas de caminhões vermelhos da empresa de piche Cesari estacionados em todos as quadras ali perto . Eram tantos que imagino que a cidade vivia um boom de asfaltamentos, hoje penso isso. Na época, com pouco mais de 6 anos, aqueles trucks eram muito maiores, pareciam uns monstros.
Na rua sempre passava um homem barbudo, cabeludo e sério, incomum naqueles tempos, e as crianças morriam de medo, nem imaginavam o coração daquele moço, era o ainda não famoso José Mojica Marins .
Numa tarde de sol eu jogava bola com o vizinho do lado, sob a supervisão de minha avó e da mãe do menino. Quando a bola saiu da calçada entre dois caminhões monstros, saí correndo. Era uma rua sem trânsito e fui atropelado por dois cavalos que haviam sido roubados por meninos montados a pêlo, de um dos muitos terrenos baldios existentes naquela região.
Quando dei uma acordada cheio de poeira e sangue, estava no colo daquele moço do qual morríamos de medo. Ele estava me acariciando como se me conhecesse há anos e me entregou para a minha avó.
Dali, só acordei no Hospital Santa Paula, no Brooklin, bairro onde meu pai biológico era corretor de imóveis.
A vida tem dessas, só fui encontrar novamente o Zé 33 anos depois, indicado pelo amigo Rogerio Brandão, que já havia feito o Cine Trash sucesso na TV Bandeirantes com os filmes dele, antes de 1996, ano em que o reencontrei para tentarmos Uma parceria na TV Gazeta SP que dirigia.
Fizemos algumas reuniões , eu e o Luiz Carlos Stein diretor trabalhou comigo na emissora . Lembro-me que fumava diversos cigarros, de marcas diferentes, guardadas com simetria em diversos bolsos, pelo menos umas quatro , um mentolado, Minister ,Charme e Mistura Fina. Como também fumávamos, nossas reuniões no 6º andar da avenida Paulista eram um fumacê enorme.
Aquelas longas unhas, todas encaracoladas, me davam enjoo a ponto de quase vomitar , morria de vergonha de constrangê-lo ou magoá-lo, coisa que, graças a Deus, não aconteceu.
Cheguei a comentar sobre o atropelamento , agradecer e falar de como nunca nos vimos depois, com meses de cama e hospital, voltei a morar com minha mãe, e ele me disse “achei que tinha morrido” e rimos muito.
Vai aqui a minha história com este ícone do audiovisual brasileiro, que graças à sua maestria teve bons momentos e virou astro internacional com todo merecimento .
E que graças a ele estou contando está maravilhosa recordação ,que como um anjo com cara de ermitão me tirou quase morto do chão.
São Paulo, 1963- 1996