quinta-feira, 17 de maio de 2012

Havaianas em BH




Uma das coisas boas na minha vida profissional e familiar foram as mudanças de cidades e estados que, por ser filho de militar, fui obrigado a aceitar, e, na minha opinião, me deu esta facilidade de conviver sempre com novas aventuras . Tinha que fazer amigos rapidamente na adolescência. Não tinha tempo a perder, pois mudávamos de dois em dois anos.

Na vida profissional morei, além de São Paulo, em Belo Horizonte e Salvador – e também costumo dizer DF, onde fica a Secom (Secretaria de comunicações  do Governo Federal).Todos que trabalhamos no comercial temos que ser local lá, caso contrário não atendemos o maior cliente do mercado (temos representantes, mas na maioria das vezes é DF, é assim, mentirosa até na publicidade e propaganda... rsrsrsrs). Quem vende somos nós – desculpe-me os representantes. (Para um deles até devo uma grana. Vendi muito para ele, perdi o representado e ele não, pois já o atendia depois de mim.)

Esta história se passou em BH, na Globo Minas: Ives Alves, diretor regional; Placeres, diretor de programação, e Sinval de Itacarambi Leão, diretor de mercado anunciante.

Fui para lá convidado pelo André Barroso, com o aval do Evandro Guimarães. Quem me levou lá foi o Evandro, um bom amigo, poderoso, mas se encontrar no aeroporto é um lorde. E o Andre, já era a segunda vez que me contratava.

Um dia, a Diana da Opec São Paulo me chama na sala dela quando estava fazendo um estágio – na Globo SP com a Opec do Celso Coli, na época – e me diz: “Ninguém quis ir para BH. Encontraram você que não está sabendo dos problemas da saída do Marco Aurelio para a cabeça da rede no Rio, e no lugar dele promoveram o Nova Lima.” Lá tem um baita problema, imaginei. Cheguei até a ligar para o Magrão da DPZ, mas, sorte, ele não estava. Nem tinha ido e já queria voltar para a DPZ.

Fiquei uma semana ou duas em São Paulo na Alameda Santos, ainda ali do lado da Sabesp, e fui com a família para a Globo Minas,  do Ives para muitos e do Sinval para o mercado. Me dei super bem com todos lá e o problema é que o Nova Lima (apelido do segundo do Marco e nome de  uma cidade dormitório de BH)não peitava o comercial,  tudo ele ia resolvendo e ninguém na época fazia nada errado. Ele fazia o que mandavam. Tínhamos os protocolos, as regras – e quando passamos a implementá-las conforme a bíblia  da Globo , as coisas foram melhorando.  Éramos o desconto mais alto de toda a Globo. Juro! Apareciam nos relatórios uns 53%. Quando arrumamos tudo, fomos naquele ano o menor desconto do mercado, uns 7% em média. (Ah! Desconto alto na Globo é pior que falar mal do chefe... rsrsrsrsr) Era assim quando trabalhei lá. Ninguém estava fazendo nada de errado lá em BH. O Nova Lima é que com a inteligência dele burlava o Cpultador (computador) –  chamei assim alguns dias,  assim, pois sepultou a vida do Nova Lima.

Mas a história é sobre o maior varejista de calçados daqueles anos de Diretas Já. O Sinval, como todo bom anarquista, levou a equipe inteira do comercial da Globo Minas de terno e gravata para ver o discurso do Tancredo na Praça Sete, em BH.Lá no palanque, o Osmar Santos, Fernando Henrique ,Lula  e todos que fizeram deste país uma democracia.Esse discurso passa sempre na TV e eu falo aos meus filhos que eu estava lá.

Mas vamos à história. A Elmo mandou no mercado de calçados no Brasil durante anos. Para se ter ideia da força deles, nenhuma fábrica de calçados fazia um lançamento antes de estar nas lojas da Elmo, da família Ballesteros. Os grandes fabricantes de calçados, mesmo sendo em Novo Hamburgo ou qualquer outra cidade do país, tinham suas agências de publicidade em BH: Grandene , Kildare, Francesinha, Piccadilly entre muitos outros fabricantes. Ah... as agências eram a Setembro, do Almir; a Arte Vendas; A MPM de BH – do Petronio, mas em BH do Zé Luiz, o mídia da agência.

A prepotência da Elmo era maior que a da Globo na época. Para se ter uma noção do poderio deles, dividiam a verba de publicidade em TV da seguinte forma:  25% Globo, 25% SBT, 25% Manchete e 25% Bandeirantes .

Puseram-me para atender a Elmo. Eu escutava deles que um paulista estava tirando o emprego de um mineiro. Era brincadeira, mas tinha um fundo de verdade, ironia e provocação. Mas fui “ganhando eles”. Jogava bola com eles no sábado na casa de um dos filhos, o Heloi. O Paulinho, que cuidava da publicidade, também cuidava do bolão semanal da Loteria Esportiva, para a qual logo entrei com uma cota. E fui ganhando os caras.

Convenci a direção da Globo de que deveríamos arriscar e vender para eles algo grande, com um desconto enorme (não dávamos desconto à Elmo). Ao mesmo tempo, peguei o maior inimigo deles, a calçados Itapuã, de Cachoeiro de Itapemirim, do Espírito Santo, fabricante e varejista. Fiz uma enorme defesa e vendi para o seu Severino, único dono e o caneta lá, o patrocínio do Cassino do Chacrinha nacional. Por sorte, ele era da mesma cidade do Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e patrocinou o Cassino  durante uns oito anos, até o Chacrinha sair do ar. Eu só estive quatro anos em BH.

Com isso, vendi em dezembro, janeiro, fevereiro umas dez inserções diárias à Elmo, o que significou tirar a verba da concorrência dali pra frente. Coisa de ex-mídia da DPZ, frequência e cobertura um dia, frequência e cobertura a vida toda naqueles tempos. Se não as vendas caíam. Eles tentaram, mas aí era tarde. 

Mas vamos para a Elmo! Um determinado dia, como fazia sempre antes da reunião, para arrumar argumentos sólidos, corri à loja onde ficava a sede – até escadas rolantes tinham nas lojas de calçados – e procurei uma sandália Havaiana. Não achei.

Quando estava na reunião com o Paulinho do marketing, perguntei onde ficavam as Havaianas, e ele me respondeu que vender aquelas sandálias de dedo denegriam a imagem da Elmo e que era um produto sem expressão comercial.

Quase a minha vida profissional fiquei na minha  sobre esse assunto. Em BH tinha 27 anos então, 27 anos atrás.  Há uns anos me disseram que a Elmo praticamente não existe em Minas e que a Calçados Itapuã “comeu eles” em Minas e no Espírito Santo – o forte deles eram aquelas sandálias de couro, até hoje vendidas bem na Bahia.

Imaginei que aquele grupo poderoso e dominador nunca seria batido, mas foi. E melhor ainda, as sandálias de dedo passaram a ser moda mundial e a SPASA, antes Argentina, agora tira sarro dos argentinos na publicidade da Havaiana, em vez de tirar uma com quem nem os comprava.    

terça-feira, 15 de maio de 2012

Como negociar suas dívidas




Estava lançando meu projeto em Salvador -- estamos falando de 12 de outubro de 2002 --, e  as semanas que antecederam o Dia D foram de muito trabalho, pois havia montado a equipe de produção, feito muitos testes com apresentadores e conseguido três bons: a Helen Villa Nova ,  o Edd  Balla e a Sheila  Para o departamento de vendas fizemos uma bateria de entrevistas com uns trezentos possíveis vendedores.  Escolhemos oito, mas não estava confiante; nenhum deles me passava força. O melhorzinho era o supervisor, o João, que na primeira semana fez duas vendas: para um primo dele, dono de uma empresa de treinamento de seguranças, e um escritor, o Emmanuel Gonçalves da Silva para anunciar seu livro, “Como Negociar suas Dívidas”.

Quando o João me falou do livro, no ato lhe disse: ”Este cara não vai pagar”. Ele, com jeitinho maroto, tentou me convencer. Eu disse: “João, estamos precisando ocupar as nove horas diárias de TV que temos, e vamos colocar no ar este livro, sim. Mas lembre que não vamos receber”.

Não deu outra! Na primeira semana, falhou (o cheque não caiu).  Aí, deixamos as outras três   pois arrumar clientes era mais difícil que arrumar empregados em Salvador. Até de graça os baianos ficavam desconfiados.  Imagine, de graça, recebi muitos nãos -- não tantos como coloquei no texto, pois já sabia que, na Bahia, de graça é para sempre, e não fiz tantas ofertas free.

Escutei que a TV não existia, mesmo sendo do grupo Rede Bahia, a Globo local (era a TV Salvador; a Globo é TV Bahia). A maioria dizia que era golpe meu. Precisava pôr alguma coisa no ar, e tinha oito pagos e duas ou três permutas – e arrisquei.

O livro “Como Negociar suas Dívidas“ completou quatro semanas e não pagou. O João, toda vez que me via, falava de como o Emmanuel, o escritor, de um cara amável virou um tufão de bravo. Depois que o João saiu, o Carlos, seu substituto, ficou oito anos na empresa. Ele me disse uma vez que o tal escritor até gritar na porta do seu escritório gritava, que não iria pagar os R$ 1880,00 que nos devia.

Aquele caso foi longe. Recebemos os cheques dele banco do Brasil, foram sustados; recebemos os de cinco estrelas do Itaú, da irmã dele, e também estavam sustados.

Um dia, depois de uns quatro anos, vi na minha gaveta em São Paulo aqueles cheques e os joguei fora. Aquilo nunca mais iria receber.

Mas o destino é fatal. No final de 2008, exatos seis anos depois, alugamos a TV Salvador inteira, as dezoito horas de programação. O grupo Rede Bahia estava fazendo investimentos no Jornal Correio, e a TV Salvador não era prioridade. Recebemos uma oferta de aluguel total e topamos.

Naquele momento, alguns amigos antigos meus estavam à frente do grupo: o diretor comercial, Fernando Martos,  o novo gerente de circulação do Correio, Welter Arduini, amigos de trinta anos.

Na semana em que iríamos estrear, o Welter ligou para nossa comercial, minha ex-mulher, Roberta, e indicou um cliente que queria ter um programa na TV Salvador. Ela me ligou em São Paulo, radiante.  Ainda nem estreáramos e já tínhamos consulta.  Disse-me que havia marcado reunião para o dia seguinte. Eu estaria em Salvador e conduziria as negociações.

Cheguei na madrugada daquele dia e ela ainda acordada, pela adrenalina que a TV estava imprimindo na empresa, me contou quem era o tal cliente. Imagine, o Emmanuel Gonçalves da Silva, o escritor do “Como Negociar suas Dívidas”! Não acreditei! Aquele cara, novamente! E eu nem o conhecia, só do ar, há exatos seis anos atrás. Que destino é esse?

Demos muita risada. Contei o caso para a Roberta, e ela até defendeu o fulano, tentando me convencer de que as pessoas mudam.

Pensei ainda antes de dormir: este Emmanuel não sabe que somos nós, de seis anos atrás? Logo pela manhã, matei a charada. Simples! Tínhamos mudado o nome do programa nosso de vendas, que se chamava Mar Shopping Show. Na quebra de sociedade com o Paulo Picchetto, que tinha o programa em Santos e em Santo André, mudamos para CameraExpress. O tal escritor poderia não ter essa informação – ou era cara de pau mesmo.

A primeira reunião,  às 10h, já era com ele, e cheguei umas 9h. Os outros funcionários foram chegando e tínhamos, como sempre trabalhei, a visão de todos. E todos nos viam e ouviam.

Muitos que estavam na sala já sabiam do acontecido com o escritor e a empresa, e não imaginavam o que iria acontecer.

Nós não nos conhecíamos pessoalmente. Ele só havia falado com o João, que não estava mais com a gente, e o Carlos, que vivia no escritório, mas justamente naquele dia tinha uma reunião fora.

Começamos a reunião. O Emmanuel me disse muitas coisas sobre o Welter, que dirigia o jornal Correio, que o havia indicado para falar com os novos gestores da TV Salvador, e que o negócio dele com o jornal era o grande negócio da vida dele, pois a crise financeira que estava chegando no final de 2008 era ideal para que seu livro fosse encartado no Correio, e daria frutos aos dois, ao livro e ao jornal. E eu escutando. Em momento algum, senti que ele imaginasse que à sua frente estava eu, que há seis anos não recebia os R$ 1880,00. A Roberta, na frente dele, escutava aquela prosa toda sem saber como seria o final daquela dívida.

Depois que o Sr. Emmanuel falou sobre sua intenção de estar na TV Salvador com um programa, eu comecei com meu discurso comercial a respeito das regras e preços praticados com produtores independentes. Sem nem concluir direito minhas argumentações, o “senhor” escritor me corta e diz:

– Acho que o senhor não entendeu direito. Estou aqui indicado pelo Sr. Welter para ser contratado pela TV Salvador.

– Contratado pela TV Salvador?, disse eu.

– É, sim!, disse aquele homem enorme. Ele media uns 2 metros aproximados, moreno tipo árabe, com um bigode avolumado que até dava medo.

Aí, entrei de sola na conversa.

– Eu também não estou entendendo direito o que o senhor veio fazer aqui. Imaginei que viria pagar sua dívida conosco?

– Que dívida?, disse o Sr. Emmanuel.

– A dívida que o senhor fez com nossa empresa, a HV2, há seis anos, em veiculações do mesmo livro que o senhor pretende encartar no Correio do meu amigo Welter.

Todos que estavam na sala se viraram para as paredes e o clima ficou sufocante.

Emmanuel disse que não havíamos veiculado eu mostrei para ele onde estavam os programas desde a primeira semana. (A era digital facilitou a vida dos produtores na questão arquivos, rsrsrs...) Aí, ele disse que ninguém havia cobrado. Mostrei-lhe a mesa ao lado da Roberta,  e disse que se ficasse ali por mais uma meia hora o Carlos, seu algoz cobrador, logo chegaria.

O homem ogro e  grande não perdeu a linha, só foi ficando branco e pálido, e a cada resposta sem argumento ia diminuindo na cadeira.

As pessoas na sala nem falavam (a Ana, da Opec, a Roberta, a Jana, prima da Roberta – destas me lembro, mas havia umas cinco pessoas). Ele e eu, educadamente, fomos nos entendendo, e ele, sem armas e ferramentas para sair dessa dívida, disse:

– Pode deixar! Daqui  a dez dias pago o que devo à TV.

E bem baixinho, aquele enorme senhor me disse:

– O senhor não vai contar isso para seu amigo Welter, vai?

E eu disse:

– Lógico que não! É só o senhor pagar sua dívida e pronto! Nem vou lhe cobrar juros, para o senhor conhecer outro bom negociador.

Ele, totalmente atordoado, se despediu. Saiu da sala e todos começaram a rir daquela cena surrealista pela qual todos passaram. É bom lembrar que nem ele nem eu, em momento algum, elevamos a voz ou os ânimos. Fomos os dois duros e  educados o tempo todo.

Ainda estávamos falando sobre o assunto e chega o Carlos, nosso vendas, e lembra-se de outras grossuras do Sr. Emmanuel. Aí, toca o telefone celular da Roberta. Ela atende e passa para mim. Era o Emmanuel, dizendo que em sete dias, ou melhor, na sexta seguinte nos pagaria.

Demos outras risadas e esquecemo-nos do Emmanuel.  Cada um foi pro seu trabalho; estávamos atarefados, iríamos estrear dali a alguns dias, muitas produções.

Todos nós tínhamos compromissos no almoço e à tarde, em diferentes reuniões, quando toca meu celular e a Roberta me comunica que o Sr. Emmanuel havia ligado para dizer que pagaria logo na segunda (isso já era umas 16h de sexta). Rimos um monte da situação, mas o que era bom é que receberíamos um dinheiro perdido. E não entendemos o porquê da pressa dele agora.

No domingo, havíamos convidado o Welter e sua mulher para almoçar em casa. A Márcia não conhecia a Roberta. Lá pelas 13h, chegaram e conversamos sobre sexo, drogas e rock. Aí, lembrei-me do Emmanuel e contei a história toda.

Conversamos sobre aquilo horas e rimos à beça. O Welter não sabia de nada e nos contou o porquê da pressa do “senhor” escritor. Por uma ironia do destino, ele e o Sr. Emmanuel teriam uma reunião na terça-feira. O Welter fora convocado para ir a São Paulo, e a secretária mudou a reunião para segunda à tarde. Combinamos também que não falaríamos nada sobre nossa conversa até o fechamento do negócio dele com o jornal.

Logo às 10h da manhã de segunda, seu Emmanuel apareceu com um saco de supermercado com os R$ 1880,00 e findou sua dívida. Nem recibo quis, imagine!

Ah! Esqueci-me das últimas palavras do Welter no domingo: “Quando fechar o contrato com o Sr. Emmanuel, vou sugerir um último capitulo para seu livro: ‘Como Negociar suas Dívidas, mas ter que pagar quando quiser ter um programa na TV’.”