terça-feira, 23 de abril de 2019

A picaretagem oficializada



No fim de 1998, era formado o fiscalizador das normas que regem e elegem os participantes do seleto grupo da publicidade brasileira, com o aval da Secretaria de Comunicação (Secom), do governo federal. Para presidir, foi convidado Petrônio Correa, um baluarte na história das agências de publicidade e abençoado pela maior beneficiária do sistema, a emissora carioca líder de audiência.
Com lobistas profissionais que atuam na esfera política do País e apoiado por políticos donos dos maiores conglomerados da indústria jornalística, aprovou normas como o chamado BV – bonificação de volume –, que tinha e tem a finalidade de amarrar as agências de publicidade, remunerando-as antecipadamente para que, na medida em que veiculam as campanhas de seus clientes, seja abatido aquilo que já receberam.
Sob um pano de fundo hoje, nem respeitada pela própria Vênus Platinada, a proibição de bureaus que compram mídia, a obrigação da compra de pesquisas para se ter acesso ao seleto grupo e outras regras, que, na minha opinião, só encolheram este mercado. É tão norma-padrão que as agências devolvem os 20% de comissão que seria de lei aos clientes. Penso que dinheiro contabilizado que não circula também não paga impostos.
Para se ter uma ideia, agências como SMPeB e DNA, fichas-sujas na Receita Federal e até criminalmente arroladas no esquema chamado mensalão do PT, eram signatárias deste tão seleto grupo, a ponto do tal BV (uma corrupção oficializada) ser muito comentado no Supremo Tribunal Federal (STF), na época do julgamento do lobista Marcos Valério, de Cristiano Paz, Hollembar e outros publicitários que mancharam a profissão.
Tão logo morreu o sr. Petrônio, a instituição ou melhor conselho passou a ser presidido por um companheiro da Secom nos governos de esquerda, engajado dos pés à cabeça no sistema e, dizem, com salários superiores a R$ 120 mil mensais e mandato vitalício.
É difícil pensar que, com toda a corrupção que o País enfrentou, este simples e pacato confirmador das corretas normas é uma pérola limpa do sistema.
Com um discurso da manutenção das normas, empresas como Abril, Record, SBT, entre outras, foram envolvidas e apoiaram a iniciativa do maior cliente, o governo federal, o que foi totalmente confirmado pelo  enorme “Grupo do Jardim Botânico  e suas afiliadas.
E de uma certa forma, enganaram muito bem outros grupos grandes como a Band. Era diretor de publicidade lá e não notei nada contra na época. Fizeram até um coquetel no restaurante, no 4º andar, com a presença do Petrônio, do seu João Saad, que, na época, era presidente, e Jonnhy, o atual. Lembro-me que o Dalton Machado, diretor nacional de Vendas, ainda me disse: “Se é bom para eles, não é bom para nós”.
Hoje, agências das grandes às pequenas sucumbiram, as quais trabalharam incessantemente com os BVs. Nem existem mais no mercado algumas delas, com desaparecimentos escusos e fraudulentos. Veículos de comunicação e grupos de mídia estão agonizando, como boa parte de profissionais altamente qualificados perdeu espaço no mercado, que com normas ditas padrão esvaziaram o setor.
Haja vista a queda vertiginosa de todos os meios publicada esta semana pelo Cenp, em que, em 2018, a soma de todos eles é menor que o faturamento da Rede Globo alguns anos atrás.
Uma boa parte deste ferramental humano tem sido absorvido pelos departamentos de MKT e publicidade das empresas anunciantes que sempre foram contra o BV, que, com a internet, mudaram bastante o panorama do mercado publicitário, fazendo-o não tão dependente de parte de seus dinheiros investidos e que estes regassem a oficialização da picaretagem referida na chamada deste texto.
Muitos ainda por ignorância ou conivência defendem esta amarração com único dono e beneficiário. Outros são obrigados a pagar pedágio ao esquema para participar do clubinho.
E com enorme dor no coração, muitos de nós, que trabalharam com honestidade e sem essas ferramentas do diabo, estão hoje sofrendo as consequências.
Há muita coisa que tem de mudar neste país. Uma delas poderia ser a máxima de um publicitário carioca: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Mas quando tem PT no “meio” não é.