No final de 1979, fui contratado pela TV Globo São Paulo pelo
André Barroso, novo gerente de Opec – Operações Comerciais, que substituía o
Fernando D’Avila, e estava implantando as reservas dos comerciais por
computadores da CMA – empresa que terceirizava os serviços de informática .Todo
o processo era feito manualmente e estávamos ali para tirar o trabalho daqueles
que achavam o computador um bicho de sete cabeças. Começava ali minha
convergência cognitiva na esfera digital, mas não tínhamos a menor ideia sobre onde
iríamos chegar.
Diariamente bombardeados pela antiga equipe sobre os efeitos
do computador na vida de todos, criávamos paralelamente uma nova forma de
controlar os dados de reservas, checking, falhas, financeiros da já líder de
audiência do país.
Os novos contratados, o Galdino (se dizia filho de uma famosa
combatente do regime militar), o Ugo Santiago, hoje diretor da Globo, e eu, jovens e cheios de vontade de aprender e trabalhar,
dávamos a vida por aquilo que acreditávamos ser o futuro e nem ligávamos para
as falácias dos antigos funcionários da era manual. Lembro-me muito do
supervisor que alimentava as fofocas: o Marcos Wilson, grande conquistador das
garotas da época, Bozó que vivia falando que se o encontrássemos abraçado a
mulher feia, podíamos apartar que era briga. Um dia, depois de anos, parei
minha Brasília na porta do parque Trianon e o encontrei abraçado com a mulher mais
feia que já havia visto, e gritei: “Vou descer e apartar!”. Perdi o amigo, mas
não perdi a frase.
Não posso me esquecer da equipe de suporte de informática da época,
que era só de mulheres lindas e cheias de amor para dar. Só não me lembro do
nome delas e, por felicidade, comandadas pelo Celso Colli, o primeiro
profissional que vi programando um computador.
Em pouco mais de seis meses implantamos as reservas pelo computador.
O Marcos Wilson foi mandado embora e todos os outros foram adaptados a suas
novas funções. O departamento em vez de encolher dobrou em poucos meses e nós
todos fomos sendo promovidos e assumindo cargos dentro da nova estruturação da gerência
de Opec.
A Globo São Paulo era divertida, mas com muito trabalho e competitividade.
Não era por menos, estávamos na emissora que se preparava para o ano 2000, na época,
até no ar com sua campanha SP 2000. Isso significava cursos, conhecimento,
network e muita concorrência interna, que faz parte do meu conto.
O RH (Recursos Humanos) organizava um campeonato de futebol
de salão nas quadras do Sesc, superconcorrido. Todos os departamentos da Globo
SP tinham times e alguns muito competitivos, como do José Carlos Peleias,
gerente do Checking, que tinha em sua equipe o Medina e o Silvestre, da Seleção
Brasileira, entre outros craques, como o José Eduardo Salerno, o Bomba, que
tinha esse apelido por ser explosivo e seu chute, forte e matador .No
departamento do Peleias ninguém precisava entender de publicidade – futebol era o
requisito básico para trabalhar no departamento de Checking da emissora paulista.
O Peleias, com bom mineiro, tinha o uniforme de seu time, o Atlético Mineiro,
impecável e completo, que fazia seus adversários tremer na base. E com aquele
time cheio de craques, todos tinham muitas dificuldades em vencê-lo. Salvo um
time da Praça Marechal Hermes,
onde ficava a produção da Globo SP, ninguém
fazia frente àquele timão do Checking.
O comercial estava crescendo, já era um prédio na Alameda Santos,
ao lado do prédio da Sabesp, e tinha um português, o Sérgio Fernandez, como
responsável pelos serviços gerais. Ele começou como garçom nas Organizações
Vitor Costa, a emissora em São Paulo comprada pela Globo. Sua histórias do
inicio da Globo com o Walter Clark , o Buzzoni,
entre tantos outros, eram de deliciar os novos pretensores desta vida cheia de emoções de
uma emissora de TV.
O Sergião, como era chamado, montou um time bem forte do qual
eu fazia parte (sempre fui um craque... rsrsrsrs). Estávamos treinando uns seis meses antes do
inicio do campeonato interno e escutando as histórias divertidas do Sergião. Até
hoje, o faturamento de muitas emissoras é chamado de basquete, sabe por quê? Na
mesa do Walter Clark havia uma cestinha na qual os contatos colocavam as PIs (Pedidos
de Inserção ) dos clientes e agências de publicidade. Cada PI que chegava era
arremessada na cesta -- a prática em
pouco tempo passou a ser chamada de
basquete. Dizia o Sergião que foi o próprio Walter que inventou o nome.
Mas vamos voltar à história do futebol. Acabara de chegar o
comunicado do RH sobre as inscrições e o campeonato começaria em poucos dias.
Nas primeiras partidas, tudo lindo. Ganhamos as três primeiras
de goleada e nossa quarta partida seria com o poderoso Atlético Mineiro, ou
melhor, o time do Peleias. Foi uma semana cheia de intrigas. Apesar do Checking
ficar em outro prédio, a guerra estava declarada. Insinuações de lá,
insinuações de cá, até o dia do jogo.
Nosso time se chamava Globo Star; nossa tática era que o
nosso maior adversário também deveria tremer na base.
E o jogo tão esperado começou. Dez minutos, nenhum gol, quando
o Miltinho, com um passe meu, fez o primeiro. Vibramos! A torcida viu na gente
um adversário capaz, mas antes de terminar
o primeiro tempo já estávamos perdendo de 2 a 1. Aquilo na cabeça do nosso time
foi uma enxurrada. O técnico Sergião trocou dois de nós, incluindo a mim, e
desmanchou nosso esquema. Perdemos de 11 a 2. Brigamos entre nós mesmos, e para
mim foi o último jogo no Globo Star.
O Globo Star se classificou para a final, e adivinhe com quem?
Com o Atlético Mineiro. Eu fora desde a fase de classificação, nem queria saber
do campeonato.
A final seria num domingo.
Na véspera, sai com o Ugo Santiago e combinamos de trabalhar no domingo,
pois estávamos cheios de reservas e o sistema funcionava mais rapidamente que
nos dias úteis, com todos trabalhando ao mesmo tempo.
Marcamos para chegar ao escritório às 12h. Chegamos no horário.
O Ugo digitava e eu montava as planilhas para digitação manualmente. Ele, mais
rápido que eu, lá pelas 16h resolveu tirar uma soneca debaixo da mesa dos contatos,
que era tripla. Eu, que sempre bebi menos que ele, continuei na toada manual de
preenchimento. Só nós dois no domingo e o porteiro no térreo até que, o Ugo
dormindo, abre-se a porta da sala e eu, branco, cumprimentei: “Boa tarde, Sr.
Athaide!”. Era o diretor nacional de Opec, chefe do chefe
do nosso chefe, e o Ugo dormindo debaixo da mesa. Como ele era muito poderoso,
não abriu a porta inteira e não viu o Ugo Santiago deitado no carpete, debaixo
das mesas. Eu tremi e gaguejei, mas o Antonio Athaide nem percebeu. Imagine,
ser mandado embora por estar trabalhando no domingo, ou melhor, um de nós
dormindo no trabalho!
Mas a história não termina aí. Era o dia da final do
campeonato nas quadras do Sesc. O Atlético fez 1 a 0 no Globo Star e o tempo
fechou na quadra. Virou uma briga sem tamanho. Contaram-me que a torcida era toda
do Globo Star. Os torcedores fecharam o portão da quadra e o pau comeu. Na
segunda-feira, diversos machucados, enfaixados e advertidos. Minha sorte por
não ter perdido o emprego naquele domingo foi dupla: se estivesse no jogo,
estaria na briga; trabalhando, quase fui flagrado dormindo, pois quando o Ugo
acordasse eu iria dormir um pouco também.
Continuei muito amigo do Sergião. Fiquei muito triste quando
a Globo o mandou embora, poucos anos antes de sua aposentadoria integral. Eu
mesmo o contratei na revista Imprensa. Saí
antes dele, e há uns dois anos perdi o contato.
Escutei muitas histórias e outras vivi com o português. Dedico
esta história a ele, que me ensinou as loucuras dos bastidores de uma TV. Mesmo
sendo o responsável pelos serviços gerais, sabia muito sobre os assuntos
internos do inicio da história da, até hoje, campeã de audiência.
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