Estava lançando meu projeto em Salvador -- estamos falando de
12 de outubro de 2002 --, e as semanas
que antecederam o Dia D foram de muito trabalho, pois havia montado a equipe de
produção, feito muitos testes com apresentadores e conseguido três bons: a
Helen Villa Nova , o Edd Balla e a Sheila Para o departamento de vendas fizemos uma
bateria de entrevistas com uns trezentos possíveis vendedores. Escolhemos oito, mas não estava confiante;
nenhum deles me passava força. O melhorzinho era o supervisor, o João, que na
primeira semana fez duas vendas: para um primo dele, dono de uma empresa de
treinamento de seguranças, e um escritor, o Emmanuel Gonçalves da Silva para
anunciar seu livro, “Como Negociar suas Dívidas”.
Quando o João me falou do livro, no ato lhe disse: ”Este cara
não vai pagar”. Ele, com jeitinho maroto, tentou me convencer. Eu disse: “João,
estamos precisando ocupar as nove horas diárias de TV que temos, e vamos
colocar no ar este livro, sim. Mas lembre que não vamos receber”.
Não deu outra! Na primeira semana, falhou (o cheque não caiu).
Aí, deixamos as outras três pois
arrumar clientes era mais difícil que arrumar empregados em Salvador. Até de
graça os baianos ficavam desconfiados. Imagine,
de graça, recebi muitos nãos -- não tantos como coloquei no texto, pois já
sabia que, na Bahia, de graça é para sempre, e não fiz tantas ofertas free.
Escutei que a TV não existia, mesmo sendo do grupo Rede Bahia,
a Globo local (era a TV Salvador; a Globo é TV Bahia). A maioria dizia que era
golpe meu. Precisava pôr alguma coisa no ar, e tinha oito pagos e duas ou três permutas
– e arrisquei.
O livro “Como Negociar suas Dívidas“ completou quatro semanas
e não pagou. O João, toda vez que me via, falava de como o Emmanuel, o escritor,
de um cara amável virou um tufão de bravo. Depois que o João saiu, o Carlos,
seu substituto, ficou oito anos na empresa. Ele me disse uma vez que o tal
escritor até gritar na porta do seu escritório gritava, que não iria pagar os R$
1880,00 que nos devia.
Aquele caso foi longe. Recebemos os cheques dele banco do
Brasil, foram sustados; recebemos os de cinco estrelas do Itaú, da irmã dele, e
também estavam sustados.
Um dia, depois de uns quatro anos, vi na minha gaveta em São
Paulo aqueles cheques e os joguei fora. Aquilo nunca mais iria receber.
Mas o destino é fatal. No final de 2008, exatos seis anos depois,
alugamos a TV Salvador inteira, as dezoito horas de programação. O grupo Rede
Bahia estava fazendo investimentos no Jornal Correio, e a TV Salvador não era prioridade.
Recebemos uma oferta de aluguel total e topamos.
Naquele momento, alguns amigos antigos meus estavam à frente
do grupo: o diretor comercial, Fernando Martos, o novo gerente de circulação do Correio,
Welter Arduini, amigos de trinta anos.
Na semana em que iríamos estrear, o Welter ligou para nossa
comercial, minha ex-mulher, Roberta, e indicou um cliente que queria ter um programa
na TV Salvador. Ela me ligou em São Paulo, radiante. Ainda nem estreáramos e já tínhamos consulta. Disse-me que havia marcado reunião para o dia seguinte.
Eu estaria em Salvador e conduziria as negociações.
Cheguei na madrugada daquele dia e ela ainda acordada, pela
adrenalina que a TV estava imprimindo na empresa, me contou quem era o tal
cliente. Imagine, o Emmanuel Gonçalves da Silva, o escritor do “Como Negociar
suas Dívidas”! Não acreditei! Aquele cara, novamente! E eu nem o conhecia, só do
ar, há exatos seis anos atrás. Que destino é esse?
Demos muita risada. Contei o caso para a Roberta, e ela até
defendeu o fulano, tentando me convencer de que as pessoas mudam.
Pensei ainda antes de dormir: este Emmanuel não sabe que
somos nós, de seis anos atrás? Logo pela manhã, matei a charada. Simples! Tínhamos
mudado o nome do programa nosso de vendas, que se chamava Mar Shopping Show. Na
quebra de sociedade com o Paulo Picchetto, que tinha o programa em Santos e em
Santo André, mudamos para CameraExpress. O tal escritor poderia não ter essa informação
– ou era cara de pau mesmo.
A primeira reunião, às
10h, já era com ele, e cheguei umas 9h. Os outros funcionários foram chegando e
tínhamos, como sempre trabalhei, a visão de todos. E todos nos viam e ouviam.
Muitos que estavam na sala já sabiam do acontecido com o
escritor e a empresa, e não imaginavam o que iria acontecer.
Nós não nos conhecíamos pessoalmente. Ele só havia falado com
o João, que não estava mais com a gente, e o Carlos, que vivia no escritório,
mas justamente naquele dia tinha uma reunião fora.
Começamos a reunião. O Emmanuel me disse muitas coisas sobre
o Welter, que dirigia o jornal Correio, que o havia indicado para falar com os
novos gestores da TV Salvador, e que o negócio dele com o jornal era o grande
negócio da vida dele, pois a crise financeira que estava chegando no final de
2008 era ideal para que seu livro fosse encartado no Correio, e daria frutos
aos dois, ao livro e ao jornal. E eu escutando. Em momento algum, senti que ele
imaginasse que à sua frente estava eu, que há seis anos não recebia os R$ 1880,00.
A Roberta, na frente dele, escutava aquela prosa toda sem saber como seria o
final daquela dívida.
Depois que o Sr. Emmanuel falou sobre sua intenção de estar
na TV Salvador com um programa, eu comecei com meu discurso comercial a
respeito das regras e preços praticados com produtores independentes. Sem nem
concluir direito minhas argumentações, o “senhor” escritor me corta e diz:
– Acho que o senhor não entendeu direito. Estou aqui indicado
pelo Sr. Welter para ser contratado pela TV Salvador.
– Contratado pela TV Salvador?, disse eu.
– É, sim!, disse aquele homem enorme. Ele media uns 2 metros aproximados,
moreno tipo árabe, com um bigode avolumado que até dava medo.
Aí, entrei de sola na conversa.
– Eu também não estou entendendo direito o que o senhor veio
fazer aqui. Imaginei que viria pagar sua dívida conosco?
– Que dívida?, disse o Sr. Emmanuel.
– A dívida que o senhor fez com nossa empresa, a HV2, há seis
anos, em veiculações do mesmo livro que o senhor pretende encartar no Correio
do meu amigo Welter.
Todos que estavam na sala se viraram para as paredes e o
clima ficou sufocante.
Emmanuel disse que não havíamos veiculado eu mostrei para ele
onde estavam os programas desde a primeira semana. (A era digital facilitou a
vida dos produtores na questão arquivos, rsrsrs...) Aí, ele disse que ninguém
havia cobrado. Mostrei-lhe a mesa ao lado da Roberta, e disse que se ficasse ali por mais uma meia
hora o Carlos, seu algoz cobrador, logo chegaria.
O homem ogro e grande
não perdeu a linha, só foi ficando branco e pálido, e a cada resposta sem
argumento ia diminuindo na cadeira.
As pessoas na sala nem falavam (a Ana, da Opec, a Roberta, a Jana,
prima da Roberta – destas me lembro, mas havia umas cinco pessoas). Ele e eu,
educadamente, fomos nos entendendo, e ele, sem armas e ferramentas para sair dessa
dívida, disse:
– Pode deixar! Daqui a
dez dias pago o que devo à TV.
E bem baixinho, aquele enorme senhor me disse:
– O senhor não vai contar isso para seu amigo Welter, vai?
E eu disse:
– Lógico que não! É só o senhor pagar sua dívida e pronto! Nem
vou lhe cobrar juros, para o senhor conhecer outro bom negociador.
Ele, totalmente atordoado, se despediu. Saiu da sala e todos
começaram a rir daquela cena surrealista pela qual todos passaram. É bom
lembrar que nem ele nem eu, em momento algum, elevamos a voz ou os ânimos. Fomos
os dois duros e educados o tempo todo.
Ainda estávamos falando sobre o assunto e chega o Carlos,
nosso vendas, e lembra-se de outras grossuras do Sr. Emmanuel. Aí, toca o
telefone celular da Roberta. Ela atende e passa para mim. Era o Emmanuel,
dizendo que em sete dias, ou melhor, na sexta seguinte nos pagaria.
Demos outras risadas e esquecemo-nos do Emmanuel. Cada um foi pro seu trabalho; estávamos
atarefados, iríamos estrear dali a alguns dias, muitas produções.
Todos nós tínhamos compromissos no almoço e à tarde, em diferentes
reuniões, quando toca meu celular e a Roberta me comunica que o Sr. Emmanuel
havia ligado para dizer que pagaria logo na segunda (isso já era umas 16h de
sexta). Rimos um monte da situação, mas o que era bom é que receberíamos um
dinheiro perdido. E não entendemos o porquê da pressa dele agora.
No domingo, havíamos convidado o Welter e sua mulher para
almoçar em casa. A Márcia não conhecia a Roberta. Lá pelas 13h, chegaram e
conversamos sobre sexo, drogas e rock. Aí, lembrei-me do Emmanuel e contei a
história toda.
Conversamos sobre aquilo horas e rimos à beça. O Welter não
sabia de nada e nos contou o porquê da pressa do “senhor” escritor. Por uma
ironia do destino, ele e o Sr. Emmanuel teriam uma reunião na terça-feira. O
Welter fora convocado para ir a São Paulo, e a secretária mudou a reunião para
segunda à tarde. Combinamos também que não falaríamos nada sobre nossa conversa
até o fechamento do negócio dele com o jornal.
Logo às 10h da manhã de segunda, seu Emmanuel apareceu com um
saco de supermercado com os R$ 1880,00 e findou sua dívida. Nem recibo quis,
imagine!
Ah! Esqueci-me das últimas palavras do Welter no domingo: “Quando
fechar o contrato com o Sr. Emmanuel, vou sugerir um último capitulo para seu
livro: ‘Como Negociar suas Dívidas, mas ter que pagar quando quiser ter um
programa na TV’.”
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